domingo, 5 de fevereiro de 2012

COMPORTAMENTO -Castelinho encantado

Ana Claudia Afonso Valladares publicado em Arteterapia & Psicologia.
Reportagem dos médicos artistas e...
Ana Claudia Afonso Valladares5 de Fevereiro de 2012 14:37
Reportagem dos médicos artistas e arteterapeutas de PE. Parabéns...!!!
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/suplementos/arrecifes/noticia/2012/02/05/castelinho-encantado-31043.php

Castelinho encantado
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Pincéis, instrumentos musicais e massa de modelar fazem parte do tratamento de doenças em oficinas d...

COMPORTAMENTO

Castelinho encantado

Pincéis, instrumentos musicais e massa de modelar fazem parte do tratamento de doenças em oficinas do Huoc

Publicado em 05/02/2012, às 11h12

Cinthya Leite

Era uma vez um núcleo hospitalar onde os pacientes encontravam tratamentos para um monte de doenças. Lá, eles até hoje contam com tratamentos avançados, cirurgias, acompanhamento ambulatorial, quimio e radioterapia. Da porta de muitos leitos, dá para espiar um castelo, daqueles que a gente só vê em contos medievais.
É dentro desse templo que várias dificuldades enfrentadas por quem convive com problemas de saúde são amenizadas através da música, da pintura, dos recursos audiovisuais e até das massinhas de modelar. 
“No fim de semana, eu ficava na secura, esperando para acordar na segunda-feira e vir para cá”, conta o ex-paciente Bruno Roberto Cesar da Silva, 21 anos, ao se recordar do tempo em que esteve internado na unidade vítima de problemas cardíacos. Atualmente, ele é o monitor da sala de bateria do Castelinho, como é conhecido o prédio onde funciona a Escolinha de Iniciação Musical e Artes, que fica dentro do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), ligada à Universidade de Pernambuco (UPE). 
Bruno ensina a outros jovens e crianças os segredos de percussão. Hoje, ele olha para trás e se orgulha de ter vivenciado, brincando no Castelinho, uma experiência importante para os caminhos profissionais que começa a trilhar. No vestibular de 2012 da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), passou no curso de música. Neste ano, ele também termina um curso no Conservatório Pernambucano de Música. 
Com motivos de sobra, Bruno é só alegria. Mas nem sempre a vida do jovem, apaixonado pela harmonização dos sons, foi embalada por felicidade. Em 2001, ele chegou ao Huoc para se tratar de febre reumática, que pode comprometer vários órgãos, especialmente o coração. A doença foi responsável pela internação de Bruno no hospital, onde ele passou por cirurgia para colocação de bioprótese de válvula aórtica. 
"Quando fui internado, aos 12 anos, estava começando a estudar bateria na igreja. Tive que me afastar para me tratar”, relata Bruno, que agradece por ter recebido uma luz de um amigo que se tratou no Huoc. “Ele me falou do projeto do Castelinho, que me devolveu a chance de estar ao lado dos instrumentos.” 
O trabalho a que Bruno se refere é tão grandioso como a frase que o batiza: A arte na medicina às vezes cura, de vez em quando alivia, mas sempre consola. Graças à atividade, o jovem conseguiu colocar em escanteio as dificuldades da internação. Ele garante que, se não tivesse participado da oficina, teria uma recuperação difícil. “Assim que conheci o Castelinho, passei a ir ao hospital não só para recuperar a saúde, mas principalmente para tocar bateria. De quebra, eu me tratava.”
Neste ano, o Arte na Medicina faz 16 anos. Idealizado pelo médico Paulo Barreto Campello, também baterista, o programa já entregou milhares de receitas médicas. Nessa prescrição, a arte sempre é o remédio indicado. E mais: o feito é tão aplaudido que levou a UPE a inserir o enfoque humanístico na grade curricular do curso de medicina, através da disciplina de arteterapia. É a única faculdade do mundo a ter a cadeira. Tal mote estimulou a UPE a criar curso de pós-graduação nessa área.
SEM JALECO
Assim como os outros médicos que dão força ao projeto, Paulo Barreto Campello deixa o jaleco branco de lado sempre que entra no Castelinho. E o ultrassonografista Carlos Reinaldo Carneiro Marques (carinhosamente chamado de Naldo) explica: “Aqui, todo mundo é igual, independentemente de ser médico, estudante, monitor ou paciente. Ensinamos e aprendemos a cada dia”.
Enquanto recorre a ondas sonoras nas clínicas de diagnóstico por imagem, Naldo investe em equipamentos e nas condições de propagação do som para criar vídeos no Castelinho. 
As obras audiovisuais são feitas pelos monitores e os médicos, que contam com a ajuda dos pacientes. Detalhe: tudo é produzido a partir da técnica de animação chamada de stop motion. Na lista dos filmes já produzidos, está Os corações amigos, que retrata o mote do projeto: uso na arte no processo de recuperação e enfrentamento de uma enfermidade. Nesse vídeo, impossível deixar de mencionar a participação do monitor de audiovisual Raffael Bruno dos Santos, 22. 
Foi ele quem fez a edição. E é dono de uma bela história: venceu o linfoma de Hodgkin, forma de câncer que se origina nos linfonodos (gânglios) do sistema linfático. Ao conhecer o projeto, não quis mais deixar de frequentar o Castelinho. “Dou força a jovens que enfrentam problemas de saúde e também transmito o que aprendi sobre edição aos estudantes de medicina”, conta Raffael Bruno. 
Ele convive com sopro cardíaco e, por isso, é acompanhado no Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco (Procape), também vinculado à UPE. Isso não o desanima. Pelo contrário: o jovem monitor tem disposição para se dedicar ao Castelinho e também a um trabalho numa rádio comunitária. 
Os bonequinhos que aparecem nos vídeos em stop motion, editados por Raffael Bruno e Naldo Marques, são criados por outro ex-paciente do HUOC: o artista plástico Geovani Quirino, 37 – um craque em dar forma a personagens e a objetos através de trecos e das massinhas de modelar. 
Assim que entram no prédio onde funciona a Escolinha de Iniciação Musical e Artes, os pacientes se deparam com as trelas artísticas de Geovani e se esquecem do peso trazido por enfermidades crônicas como câncer, cardiopatias, doenças de fígado e distúrbios mentais. 
No projeto desde a fundação, Geovani foi diagnosticado com osteossarcoma (tumor ósseo) aos 13 anos. Recebeu tratamento e, aos 19, teve uma recidiva – ou seja, reaparecimento da doença após um período de recuperação. “Fiquei muito depressivo com a volta do câncer, mas tive a felicidade de o projeto nascer justamente nessa época. Através da arte, passei a ver a doença de uma forma diferente, sem perder a disposição para enfrentá-la.” 
O cineasta e endoscopista Wilson Freire sabe o valor desse depoimento do artista plástico – que, depois de ter enfrentado o câncer, decidiu presentear várias pessoas que convivem com enfermidades crônicas. Ao ensiná-las a fazer desenhos e outros trabalhos artísticos, Geovani consegue tirar o foco da doença e direcionar o paciente a atividades recreativas. 
Para Wilson, essa humanização é importante porque elimina o tédio que acompanha os problemas de saúde. “É um sentimento que precisa ser combatido para não atrapalhar o processo terapêutico”, explica Wilson – mais um médico que abraça o Castelinho e ajuda as crianças a trabalhar o processo de dor de maneira lúdica. 
De quebra, essas atividades diminuem o tempo de internamento e favorecem uma rápida recuperação. É um prova e tanto de que a arte na medicina, de fato, pode dar uma mãozinha para alcançarmos a cura ou, no mínimo, sermos presenteados com doses de alegria.


Por: Edeltraud F. Nering