ENTREVISTA PUBLICADA NA REVISTA ON-LINE ATOS ( http://www.atospsicologia.com.br/index.php)
Prof. Dr. Jorge Zacharias
Atos: Como se deu seu primeiro contato com a Psicologia Analítica?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Durante a graduação. No terceiro ano tivemos a disciplina Teorias da Personalidade e nossa professora abordou Jung dentre outros autores. Uma de nossas colegas, Zilda Kawal, estudava e fazia análise há algum tempo. Quando entrei em contato com a teoria me identifiquei com seus postulados de imediato e esta colega me emprestou o livro O Homem e Seus Símbolos em espanhol. Esta foi minha primeira leitura, as seguintes foram Memórias, Sonhos e Reflexões e Psicologia do Inconsciente. A partir disto continuei as leituras e me encaminhei para o mestrado e doutorado com o tema tipos psicológicos, fiz análise e formação de analista na AJB.
Atos: Qual a visão de homem que esta abordagem tem?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Jung afirma que somos, ao mesmo tempo, individuais e coletivos. Além disto, cada indivíduo é uma interação entre natureza e cultura. Nós temos de lidar com aspectos conscientes e pessoais que envolvem as relações sociais do contexto ambiental: o mundo, a sociedade com seus valores e os outros. Temos de lidar com os aspectos inconscientes pessoais: conteúdos reprimidos ou recalcados, experiências desagradáveis, sentimentos e pensamentos inadequados ao nosso contexto social e padrões repetitivos. Ainda temos de lidar com conteúdos inconscientes culturais e coletivos, estruturas arcaicas que se expressam em símbolos e imagens, muito evidentes nas artes e nas religiões e que representam a experiência humana com eventos fundamentais da existência: a mãe, o pai, a morte, o nascimento, o herói, o feminino e o masculino, o sagrado. A estas estruturas Jung denominou arquétipos.
Atos: O que diferencia a Psicologia Analítica da Psicanálise tradicional?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Jung pode ser considerado como um dos primeiros humanistas, ao lado de Maslow e Rogers. A psicanálise tem forte tendência reducionista em sua concepção do humano. Freud, nos primórdios, considerava a libido como energia psíquica que se dirige exclusivamente para a busca do prazer, reduzindo a tensão causada pelo desejo. O primeiro a discordar desta idéia foi Alfred Adler que preferia ver o impulso fundamental em busca do poder e não do prazer. No contexto da psicanálise o sentimento de abandono e o foco no complexo de Édipo se tornaram a pedra de toque para a análise. Seguindo por este caminho pode-se desfazer as ilusões e as fantasias narcísicas resultando na idéia de que a cultura e a civilização são frutos de repressão e sublimação da busca original por prazer, não tendo, em si mesma, um sentido e significado. Quando Jung iniciou sua colaboração com o mestre de Viena, Jung nunca foi discípulo de Freud, de início já discordou desta abordagem, pois não acreditava que toda a produção da cultura – arte, ciência, filosofia e espiritualidade – fosse uma grande farsa desprovida de significado. Depois de compreendidas as fantasias e retiradas as projeções a abordagem analítica procura uma síntese, ou seja, o sentido e significado da vida nas dimensões individuais e coletivas. Outra grande diferença é a presença de conteúdos psíquicos coletivos que determinam padrões de imagens e emoções, os arquétipos, além da tendência natural da psique à auto regulação, denominada Si-Mesmo ou Self, que orienta o desenvolvimento psíquico para o significado da vida.
Atos: Em sua opinião, qual foi a principal contribuição de Jung para a Psicologia?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Foram várias. A sistematização das diferenças individuais ou a teoria dos tipos psicológicos; a conceituação e demonstração da existência de conteúdos arcaicos na psique individual, os arquétipos, e ampliação do campo do inconsciente pessoal para coletivo; a conceituação do dinamismo dos princípios masculino e feminino em todas as pessoas, ao que chamou de Anima/Animus; na análise de sonhos, a ampliação da técnica de associação para inserir a amplificação; utilização de processos criativos, hoje conhecidos como arteterapia, na investigação de conteúdos inconscientes; conceituação do Si-Mesmo, o núcleo regulador da psique; compreensão do impulso religioso, não patológico e sim criativo, da psique; valorização da pessoa e sua dinâmica com os conteúdos inconscientes e não no aspecto reducionista do diagnóstico psiquiátrico; ofereceu subsídios para se compreender a psicologia das massas e das transformações culturais dentre outras.
Atos: Qual a concepção de clínica para a Psicologia Analítica?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: A análise não foca especialmente sintomas. Estes são entendidos como sinais de conteúdos mais profundos a serem compreendidos, assim como a febre não deve ser o foco do tratamento, mas localizar a origem do processo febril. Em análise a primeira etapa é mais terapêutica partindo-se do sintoma e suas associações. Quanto mais se aprofunda no sintoma chega-se ao contexto psíquico da pessoa, que é interacional envolvendo o todo e não somente uma parte. Não se pensa o indivíduo sob o ponto de vista mecanicista, em partes, mas no todo de sua personalidade e vivências pessoais. Uma questão inicial é: qual a função do sintoma no contexto geral? Entendemos que o sintoma é uma tentativa malsucedida da psique encontrar a homeostase.
Atos: Em quais áreas de atuação a Psicologia Analítica se faz presente em sua prática?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Podemos citar, em primeiro lugar, a atuação clínica. Embora originalmente estabelecida no processo de análise individual, hoje há muitos estudos no sentido de utilizar a abordagem em aconselhamento psicológico e terapia familiar. Outra área é a de recursos humanos nas organizações, em que a teoria dos tipos psicológicos é muito utilizada em adequação profissional, análise de função, seleção, coaching, orientação de carreira e mentoring. A teoria dos arquétipos tem servido igualmente para a análise de cultura organizacional. Em educação a teoria dos tipos tem auxiliado na estruturação de planos de aula e na orientação vocacional, além de ampliar a relação professor-aluno no processo de ensino e aprendizagem. Em psicologia social a teoria corrobora com a análise e de movimentos de massa, tendências mercadológicas, em marketing e na compreensão de movimentos culturais.
Atos: Quais as técnicas desta abordagem que você se utiliza?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Utilizo a análise verbal, expressões gráficas, análise de sonhos e instrumentos como QUATI, avaliador de tipos psicológicos e o exercício Mandala de Palavras, ambos da editora Vetor.
Atos: Você realiza o trabalho analítico com a utilização de Sandplay? Se sim, conte como é realizado.
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Não me utilizo da técnica do Sandplay.
Atos: Existe algum curso específico para trabalhar com o Sandplay?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Sim, há vários cursos. Os que posso indicar por conhecer bem o trabalho é o das psicólogas Lunalva Chagas e Dra. Elizabeth Zimmermman do Instituto de Psicologia Analítica de Campinas – IPAC, www.ipacamp.org.br .
Atos: Você poderia falar um pouco da relação entre a Psicologia Analítica e as manifestações artísticas de pacientes psiquiátricos? A Psicologia Analítica concebe a Arte como uma forma de manifestação dos conteúdos inconscientes nesses pacientes?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Toda produção humana, exceto as fisiológicas, é psíquica. As artes são manifestações da psique individual e coletiva, tanto mais conscientes ou inconscientes. Os pacientes psiquiátricos produzem uma série de imagens que, não sendo artistas e por isto carecendo de técnica, tem seu grande valor na concretização de conteúdos inconscientes. Pelo fato destes conteúdos serem projetados no mundo externo fica mais fácil sua elaboração e compreensão. Vale lembrar que esta técnica é útil igualmente para todas as pessoas, e não somente para pacientes psiquiátricos. Quem primeiro demonstrou sua aplicação no Brasil foi a pioneira Dra. Nise da Silveira no Hospital de Engenho de Dentro no Rio de Janeiro. Uma pesquisadora atual neste campo é a Dra. Sonia Tommasi que, em seu livro Arteterapia e Loucura, editora Vetor, explana sua experiência no Hospital Psiquiátrico do Juqueri em São Paulo.
Atos: O que a Psicologia Analítica compreende por processo de individuação? Qual a contribuição da psicoterapia para esse processo no indivíduo?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: Ao pé da letra individuação significa tornar-se aquilo que você é. Este é um processo, um caminho, um devir e não um lugar onde se pode ficar. O processo inicia-se com a desidentificação da persona, isto é, diferenciar-se dos papéis sociais introjetados. Depois a investigação dos conteúdos do inconsciente pessoal e sombra, reconhecendo elementos que não gostaria de ter ou ser, além dos complexos ali constelados. Segue-se o encontro com a contrapartida masculina ou feminina, Anima/Animus e finalmente o encontro com o Si-Mesmo, o que poderia equivaler metaforicamente a encontrar-se nu diante de Deus. O indivíduo sem status, família, sociedade, fantasias, projeções e ilusões acerca de si. Devo ressaltar que o processo de individuação não torna a pessoa individualista, pelo contrário, quem está firmemente aferrado ao ego é individualista; quando se conecta ao Si-Mesmo, que é coletivo, compreende sua inserção no todo da sociedade e no universo, reconhecendo-se parte e não o centro do mundo.
Atos: Você poderia indicar institutos de formação em Psicologia Analítica? Onde os interessados poderiam encontrar referências?
Prof. Dr. Jorge Zacharias: No Brasil temos duas sociedades reconhecidas pela International Association for Analytical Psychology – IAAP com sede em Zurique. São elas a Associação Junguiana do Brasil –AJB, www.ajb.org.br e a Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica – SBPA, www.sbpa.org.br . Estas associações tem programas de formação de analista que tornam os participantes reconhecidos por Zurique. Em várias cidades temos institutos ligados a AJB, Campinas, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador. Estes institutos ministram a formação de analistas. Existem outras associações independentes como Clínica Paeon em São José dos Campos, Himma, Sizígia, Junguianos Nômades e Rubedo entre outras.
Entrevista com Prof. Dr. José Jorge de Morais Zacharias, psicólogo, analista junguiano e autor do teste QUATI (Questionário de Avaliação Tipológica)
CRP/06 16.104-9